É um filme sem ser um filme. A mundialmente conhecida peça da Broadway ganha uma filmagem diferente e chega às plataformas de streaming pela Disney plus. O enredo conta a vida de Alexander Hamilton, um dos pais criadores da América (que muitas vezes é ofuscado nos livros de história), e que ao lado de nomes como Marquês de La Fayette, George Washington, Hercules Mulligan e Aaron Burr, lutou e triunfou contra a soberania inglesa, se tornando secretário do Tesouro. Sua ambição, foco e determinação se misturavam a deslizes cometidos que quase lhe custaram tudo o que conquistara.
Se existe alguém que é capaz de fazer de tudo esse alguém é Lin-Manuel Miranda. Criador, produtor, compositor, e ator protagonista, ele busca com Hamilton contar a história dos EUA da época, através dos EUA atual. E isso fica evidente em cada etapa, como por exemplo, a escalação de atores negros e imigrantes para papéis de homens conhecidamente brancos na história, e a escolha de gênero musical que deu voz a ritmos raramente vistos em grandes palcos da Broadway (o canto clássico dá espaço ao Hip Hop, R&B e Soul).
Lin-Manuel demonstra toda sua capacidade teatral ao dar vida ao personagem central da trama. Logo no início, em uma sequência de músicas (de mais de dez minutos), My Shot, é cantada por ele a plenos pulmões e define quem Hamilton é, um homem que aproveitará todas as chances que lhe aparecerem para deixar sua marca na história.
Daveed Diggs e Okieriete Onaodowan interpretam dois personagens em momentos diferentes da trama, e mostram que podem criar trejeitos, sotaques e alcance vocais diferentes, sendo suas performances, um dos pontos altos da narrativa. Christopher Jackson emociona ao interpretar George Washington em cenas repletas de ensinamentos e conselhos.
O antagonista, nosso vilão, já é anunciado na primeira cena. Aaron Burr, é o oposto de Hamilton, tendo seu lema cantado na música Wait for it (cuja letra diz que a pessoa tiver cautela e paciência, um dia alcançará o que desejar). Ele se vê, sendo posto de lado em diversos momentos por Alexander o que aumenta sua inveja e raiva. Interpretado de maneira magistral por Leslie Odom Jr. nos emociona. Nós entendemos suas dores, e ao mesmo tempo sentimos raiva por saber o que ele fará no futuro.
O alívio cômico está presente nos dois atos na voz de Jonathan Groff, no papel de Rei George III. O tom sarcástico na voz, os olhos que não piscam, e os trejeitos são todos feitos com maestria por Jonathan. Usando sotaque britânico ele canta de forma clássica (único personagem que faz isso) sobre o que o Rei pensava a respeito dos americanos, e como ele mandava em todos. Inclusive é com ele que acontecem as interações com a plateia quando, ao cantar o refrão da música You'll Be Back ele pede para que todos cantem e é acompanhado em coro. A letra com notas repetitivas fica na cabeça mesmo depois que o filme termina, e eu mesma me peguei cantando por horas o “Dararara tá”, como se fosse um de seus súditos.
Outro ponto que me chamou a atenção foi o espaço dado às mulheres na história. Com grandes números musicais independentes, as atrizes Renee Elise Goldsberry e Phillipa Soo que respectivamente dão vida a Angelica e Eliza Schuyler, tem histórias marcantes para contar. Angelica sendo a filha mais velha e sabendo de suas responsabilidades, abre mão de sua felicidade pela irmã mais nova, que por sua vez passa grande parte da história sendo o apoio do marido mas nunca o oposto, e no final tem o poder de ser a pessoa que contará as histórias, inclusive é sua voz que encerra a trama.
Hamilton é sem sombra de dúvidas uma obra prima, que merece de fato ser considerado um fenômeno cultural. A diversidade, o jogo de luzes, o cenário em movimento, as vozes e os dançarinos, faz com que as 2h30 de filme passem sem que se perceba.
Hamilton (2020)
Classificação: 13 anos
Duração: 2h40min
Gênero: Musical/ Drama
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