O longa dirigido por Kornél Mundruczó, tem um grande impacto logo em sua cena inicial. Em um plano único (em uma tomada de cerca de 30 minutos) acompanhamos do início de trabalho de parto até momentos após o nascimento da pequena Yvete.
A câmera anda por todos os cômodos da casa e nos apresenta um pouco mais do clima e da relação do casal Martha e Sean (Vanessa Kirby e Shia LaBeouf) e o recente vínculo com a parteira substituta Eva (Molly Parker). A cena é forte e nos deixa apreensivos, o que faz com que criemos vínculos com aqueles três indivíduos e acreditar que temos o conhecimento para julgar as decisões e ações que ali aconteceram.
O filme é repleto de simbolismos que acompanham o desenrolar da trajetória contada. Um deles é a casa, que se no primeiro plano a víamos aconchegante e cheia de vida, com o passar dos meses se torna fria, escura, e as plantas que ali existem, começam a murchar e eventualmente morrem. Outra forte simbologia é a construção da ponte, que a medida em que as duas partes opostas vão de encontro uma à outra, o casal Martha e Sean se distancia.
As estações do ano também são usadas para refletir os acontecimentos. O longa se inicia no outono (onde as folhas morrem e caem), já um indício do que estava por vir. No inverno (quando as árvores não florescem), as relações se tornam mais difíceis e apenas ficam estagnadas. O que poderia ter ido pelo caminho do drama exagerado, foi substituído pela apatia, sem reações nenhuma por parte da personagem Martha.
A primavera e o verão (que sempre marcam o renascimento) acontecem exatamente no período do julgamento da parteira Eva que mesmo com pouco tempo de tela, é capaz de falar com olhares, entregando expressões importantes para cada etapa do longa.
A cena do julgamento para mim foi marcada por dois grandes detalhes, Martha que no dia do parto usava esmalte preto, passou meses sem tirar o esmalte e era possível ver o desgaste dele nas unhas da personagem, no entanto no dia em questão ela aparece pela primeira vez com as unhas feitas e sem cor. Esse também é o dia em que ela finalmente revela as fotos do dia do nascimento da filha, e em um flashback a ouvimos dizer que a filha cheirava a maçã. Já no tribunal ela faz um monólogo a favor da parteira, e ao retornar para casa vê que as sementes de maçã que ela guardou durante todos aqueles meses estão germinando, e ali ela renasce.
As atuações do filme são impecáveis, Shia LaBeouf deixa de ser um homem carinhoso e dedicado, retornando ao alcoolismo e decisões duvidosas, e de um tom baixo e sereno de voz a gritos aos ventos em meio a prantos. A veterana Ellen Burstyn, que interpreta a mãe de Martha, demonstra uma carga emocional forte muitas vezes indo contra a opinião da filha e tentando impor a sua verdade, mas com a mesma fragilidade de uma mãe que tenta a todo custa fazer a filha seguir em frente.
Mas o ponto alto está em Vanessa Kirby, que conhecida por um grande público (por suas participações em grandes blockbusters como as franquias Missão Impossível e Velozes e furiosos e pela aclamada série The Crown), entrega no longa seu melhor desempenho até hoje. Sua atuação é impecável, seus diálogos têm no tom de voz a determinação de uma mulher forte e a fraqueza de alguém que acabou de perder o bem mais precioso. Seus olhares mostram medo, culpa, raiva, e mesmo nos momentos em que não diz nada, suas expressões faciais e corporais são capazes de dizer tudo.
Pieces of a Woman além de mostrar o nascimento do amor incondicional de uma mãe, é um retrato tocante sobre a perda, o processo de luto e a força necessária para recomeçar.
Pieces of a Woman (2020)
Classificação: 16 anos
Duração: 2h08
Gênero: Drama
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