Não posso negar que sou fã de carteirinha de comédias românticas. Sei que é um dos gêneros mais comuns no cinema, e muitas vezes tenho a sensação de que já vi de tudo.
Pelas lentes de incríveis diretores e de atores que muitas vezes marcaram suas carreias com esse gênero cinematográfico, diversos clássicos entraram para o imaginário coletivo. Um bom exemplo é a trama de looping temporal que já vimos em diversos filmes, mas que foi imortalizado na interpretação de Bill Murray em “Feitiço do tempo”.
Sua atuação impecável fez desse longa um grande guia sobre o tema, sendo seguido inclusive por séries em alguns episódios, como é o exemplo da série Sobrenatural em que um episódio inteiro é marcado pelo looping (quem é fã como eu, sempre vai lembrar da música Heat of Moment, afinal Rise and Shine Sam!).
Quando o assunto é loop temporal, duas vertentes podem ser usadas como explicação. Uma é o lado mágico, no qual o personagem foi inserido ali como um castigo, e ficará naquele limbo até entender o que ele precisa melhorar. Outra é o lado científico, como o tempo funciona e, como posso usar isso para sair do looping. E é aqui que o primeiro acerto do longa, Palm Springs usa esses dois recursos ao mesmo tempo.
O filme se liberta da ideia de redenção e de cara abraça o lema: “eu posso fazer qualquer coisa que eu vou sair ileso”. É muito comum em filmes desse gênero, cair na mesmice e apresentar cenas que já vimos (tentativas de sair do looping), e nesse sentido, Palm Springs faz o segundo strike. Sarah pensa em diversas formas de sair dali, e em uma cena rápida Nyles descarta todas elas dizendo que já tentou de tudo.
Esse diálogo inclusive é um indício de que o filme seguirá por um caminho diferente de novo, uma vez que, além de não vermos mais cenas iguais aos outros filmes, ainda descobrimos que embora os dois estejam no looping eles não entraram juntos nessa.
Como podemos ver na cena inicial Nyles (Andy Samberg) está entediando em uma festa de casamento quando conhece Sarah (Cristin Milioti) a irmã da noiva, e juntos tem uma noite de diversão. Ao final da noite, Sarah segue Nyles até uma caverna, e ao ver uma grande luz vai em direção a ela.
O problema é que Nyles já estava preso no looping a tanto tempo que chegou a perder a noção do que acontece ao seu redor. Ele conhece cada segundo e cada história daquela noite. Já fez de tudo, e mesmo as coisas mais inusitadas lhe parecem monótonas.
O longa equilibra perfeitamente a dosagem de humor e tristeza. As cenas em que os personagens abraçam o leque de opções do que eles podem fazer, e o domínio do tom sarcástico em suas falas rendem boas risadas. Mas com o passar dos dias, a incapacidade de sair dali e os diálogos mais fortes (em que os personagens mostram suas fragilidades e seus erros) é onde os atores conseguem trazer lágrimas aos olhos.
O filme é divertido e pode ser visto como uma boa comédia romântica agridoce, mas, é em suas camadas mais profundas, que a mensagem se esconde. Palm Springs é em geral um filme que fala sobre amor.
Quando Nyles fala que amores sempre acabam com o esgotamento de um parceiro com o outro, é possível sentir a dor que aquela frase traz a ele, e ao tempo Sarah já tão desiludida no passado, nem acredita que ele possa existir. O que eles passam a sentir um pelo outro é dito e entendido em diferentes momentos, o que muitas vezes também acontece na vida real.
Mas talvez a melhor mensagem seja a de que tudo na vida é uma escolha, inclusive o amor. Nyles não levou Sarah para o loop, ela entrou por escolha própria. O tempo que passaram juntos foi uma escolha deles (o que entendemos já no final do filme em uma participação especial de J. K. Simmons). E seguir a Sarah sem saber se eles conseguiriam sair dali ou não, foi uma escolha de Nyles em ficar com ela.
Palm Springs é uma das melhores comédias do ano, o que muito se deve a nova abordagem de um gênero já visto como saturado. Mas o destaque são as belíssimas atuações de Andy Samberg (Brooklyn Nine Nine) e Cristin Milioti (How I Met Your Mother) que sabem fazer com maestria a transição entre cenas nonsense repletas de piadas e diálogos sensíveis, mostrando uma enorme vulnerabilidade a tristeza.
Palm Springs (2020)
Classificação: 14 anos
Duração: 1h30min
Gênero: Comédia/Ficção científica
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